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Recurso especial nos juizados obrigatórios (JEF/JEFaz): por uma adequação da Súmula 203/STJ

Defendemos a admissão excepcional do REsp nos juizados obrigatórios (JEF/JEFaz) quando faltarem válvulas de uniformização. Entenda a distinção em relação ao JEC.

Quando a CF/1988 foi promulgada, o modelo atual de juizados não existia — havia a diretriz (art. 98, I), mas não o microssistema como hoje. A Súmula 203/STJ foi consolidada em 2002, num cenário pré-CPC/2015, com o JEF ainda em gestação inicial (Lei 10.259/2001) e antes do JEFaz (Lei 12.153/2009). No JEC (facultativo), a vedação ao REsp se sustenta. Nos juizados obrigatórios, porém, defendemos paridade recursal: o REsp deve ser admitido tal como na Justiça comum, submetido aos mesmos requisitos do art. 105, III, da CF.

Resumo

Sustentamos que a leitura tradicional da Súmula 203/STJ precisa ser recalibrada diante: (i) da evolução institucional pós-1988 (JEC/1995; JEF/2001; JEFaz/2009) e do CPC/2015 (arts. 926-927), e (ii) da natureza obrigatória do JEF/JEFaz nos foros instalados. Se, no JEC (facultativo), a vedação ao REsp é um ônus legítimo da opção pelo rito simplificado, nos juizados obrigatórios inexiste essa escolha — e negar o acesso ao STJ apenas porque o legislador impôs o microssistema produz desigualdade recursal e desalinha o regime de precedentes. Propõe-se paridade: REsp admissível no JEF/JEFaz com os mesmos filtros aplicados na Justiça comum, preservando as vias próprias de uniformização (TNU/PUIL).

Palavras-chave: recurso especial; Súmula 203/STJ; JEF; JEFaz; paridade recursal; precedentes; CPC/2015.

  1. Introdução: função constitucional do STJ e o problema posto

A Constituição de 1988 confiou ao STJ (art. 105, III) a tarefa de uniformizar a interpretação da lei federal. Esse mandato pressupõe acesso isonômico ao Tribunal, de modo que casos iguais tenham igual possibilidade de alcançar a instância uniformizadora. Ocorre que a construção jurisprudencial cristalizada na Súmula 203/STJ — “não cabe recurso especial contra decisão proferida por órgão de segundo grau dos Juizados Especiais” — foi desenhada antes da consolidação dos juizados obrigatórios e antes do CPC/2015.

No JEC (Lei 9.099/1995), de adesão facultativa, a vedação ao REsp guarda coerência com os bônus/ônus da opção pelo rito. Mas, nos juizados obrigatóriosJEF (Lei 10.259/2001) e JEFaz (Lei 12.153/2009) —, a competência é absoluta onde instalados, de sorte que o jurisdicionado não escolhe o microssistema. Nessa moldura, retirar o acesso ordinário ao STJ que existiria na Justiça comum fere a paridade e compromete a coerência nacional da lei federal.

  1. Evolução histórico-normativa: por que a Súmula 203/STJ merece nova leitura

2.1. Do texto constitucional às leis dos juizados

  • CF/1988, art. 98, I: autoriza a criação de juizados, mas não “desenhou” o microssistema como hoje aplicado.
  • Lei 9.099/1995 (JEC): inaugura o modelo contemporâneo na esfera cível com ingresso facultativo.
  • Lei 10.259/2001 (JEF): cria juizados federais, com competência obrigatória onde instalados (até o teto legal).
  • Lei 12.153/2009 (JEFaz): estende a lógica à Fazenda Pública, também com competência obrigatória.

2.2. A Súmula 203/STJ no seu tempo (2002)

A redação consolidada da Súmula 203 data de 2002, quando:

  • o JEF estava recém-instituído (2001) e ainda buscava estabilização procedimental;
  • o JEFaz não existia (só viria em 2009);
  • o CPC/2015 — e, com ele, o regime de precedentes qualificados (arts. 926-927) — ainda não existia.

Resultado: o enunciado sumular fixou-se em um contexto anterior à consolidação dos juizados obrigatórios e à cultura de precedentes. Reabrir o debate não é romper com a súmula; é atualizá-la à luz da arquitetura atual do processo civil e do próprio mandato constitucional do STJ.

  1. Distinção necessária: JEC (facultativo) × JEF/JEFaz (obrigatórios)
  • JEC (facultativo). O autor escolhe o rito simplificado — e pode desistir para propor na Justiça comum. Nesse pacto, a vedação ao REsp (Súmula 203/STJ) é um ônus legítimo.
  • JEF/JEFaz (obrigatórios). Onde há vara instalada, a competência é absoluta: não há opção do jurisdicionado. Nesses casos, subtrair o acesso ao STJ apenas pela via processual imposta cria uma assimetria recursal entre litigantes que discutem a mesma lei federal na Justiça comum e nos juizados obrigatórios.

Tese central: paridade recursal — o REsp deve ser igualmente acessível no JEF/JEFaz, submetido aos mesmos filtros constitucionais e infraconstitucionais, mantendo-se a vedação apenas no JEC.

  1. O CPC/2015 e o dever de coerência: por que a paridade é sistêmica

O CPC/2015 impõe estabilidade, integridade e coerência (arts. 926-927). Essa tríade não se cumpre se questões de lei federal tiverem vias recursais desiguais a depender de um fato externo à vontade da parte (existência de vara de juizado no foro). Paridade aqui significa:

  1. mesmo objeto (questão federal típica de REsp);
  2. mesmos requisitos (prequestionamento, violação/negativa de vigência, dissídio, óbices sumulares);
  3. mesmo tribunal uniformizador (STJ);
  4. mesma possibilidade de formação de precedentes qualificados (repetitivos, IAC) também a partir de casos que nascem nos juizados obrigatórios.
  1. Convivência institucional: TNU/PUIL complementam, não substituem, o REsp

Os juizados dispõem de válvulas próprias de uniformização:

  • JEF: incidente/pedido de uniformização (TNU) e possibilidade de provocação ao STJ quando contrariada sua jurisprudência dominante (Lei 10.259/2001, art. 14, §4º).
  • JEFaz: pedido de uniformização ao STJ quando houver divergência interestadual de direito material ou contrariedade a súmula/jurisprudência dominante (Lei 12.153/2009, art. 18).

Elas permanecem e são úteis, mas não são equivalentes funcionais ao REsp comum. A paridade não elimina TNU/PUIL — apenas iguala o acesso ao REsp nas hipóteses típicas de recurso especial, garantindo coerência nacional sem “abrir a porteira”.

  1. Objeções e respostas (com aprofundamento)

Objeção 1 — “Turma Recursal não é TJ/TRF; o art. 105, III, não contempla.”
Resposta. A leitura finalística do art. 105, III — uniformização da lei federal — permite equalizar o acesso nos juizados obrigatórios, sem “criar tribunal”. O que se pede é aplicar o mesmo regime do REsp (com filtros) quando a própria lei impõe o microssistema. É uma adequação interpretativa da súmula, não mutação constitucional.

Objeção 2 — “Basta TNU/PUIL: já há uniformização.”
Resposta. TNU/PUIL têm recortes e objetos próprios. O sistema não pode depender exclusivamente deles para todas as questões federais, sob pena de subfinanciar a missão uniformizadora do STJ, sobretudo em temas que exigem tratamento nacional estável por meio de repetitivos/IAC.

Objeção 3 — “Haverá avalanche.”
Resposta. O REsp possui freios internos: prequestionamento, fundamentação vinculada, demonstração de dissídio, óbices sumulares (p.ex., 7, 83, 284/STF por analogia), juízo de admissibilidade. Paridade não é “liberação geral”; é igualdade de regime.

Objeção 4 — “O STF nega direito fundamental ao duplo grau.”
Resposta. A tese não se ancora em um “direito geral ao duplo grau”, mas na função constitucional do STJ e na isonomia recursal entre quem pode escolher (JEC) e quem não pode (JEF/JEFaz). É um argumento de política judiciária constitucionalmente orientada.

  1. Enunciado propositivo (texto-modelo)

Nos juizados de competência obrigatória (JEF/JEFaz), a vedação absoluta ao recurso especial deve ceder em favor da paridade recursal com a Justiça comum, sob pena de violação à isonomia e ao regime de precedentes. Mantém-se a Súmula 203/STJ apenas para o JEC, de adesão facultativa.

  1. Critérios objetivos (teste de paridade para cabimento do REsp no JEF/JEFaz)
  1. Obrigatoriedade comprovada
    • Vara de JEF/JEFaz instalada; competência absoluta até o teto legal.
    • A parte não pôde escolher o microssistema.
  2. Questão federal típica de REsp
    • Violação/negativa de vigência de lei federal (art. 105, III, “a”) ou
    • Dissídio jurisprudencial (art. 105, III, “c”), demonstrado tecnicamente (cotejo analítico, similitude fática, acórdãos paradigma idôneos).
  3. Prequestionamento explícito e efetivo
    • Matéria federal debatida e decidida; embargos de declaração utilizados quando necessário para proteger o requisito.
  4. Superação dos óbices sumulares
    • Enfrentar Súmulas/STJ aplicáveis (p.ex., 7, 83 etc.); indicar distinguishing ou overruling quando couber.
  5. Coerência nacional / utilidade sistêmica
    • Explicitar por que a paridade é exigível no caso, conectando ao dever de estabilidade, integridade e coerência (arts. 926-927, CPC) e ao risco de mosaico interpretativo.
  6. Convivência com TNU/PUIL
    • Indicar, quando pertinente, que TNU/PUIL são vias adicionais, não excludentes; se acionados, não prejudicam a tese de paridade.
  7. Pedidos estruturados (em peças práticas)
    • Principal: reconhecimento da admissibilidade do REsp por paridade.
    • Subsidiário: caso o órgão mantenha a vedação, requerer fungibilidade para a via uniformizadora cabível (TNU/PUIL), sem prejuízo da tese de paridade.
  1. Três cenários concretos (para tornar a tese palpável)

Cenário A — Previdenciário (JEF): Tema federal repetitivo (cálculo de benefício) decidido em Turma Recursal divergindo de orientação nacional consolidada; a parte não escolheu o juizado. O REsp, por paridade, deve ser admitido como seria na Justiça comum, permitindo inclusive futura afetação a repetitivo.

Cenário B — Fazenda Pública municipal (JEFaz): Multas administrativas aplicadas de forma heterogênea entre Estados; Turma Recursal local adota entendimento isolado. O REsp, por paridade, iguala a via recursal ao regime da Justiça comum e viabiliza uniformização nacional.

Cenário C — Direito processual (ambos): Questão de ônus da prova em causas de massa, com Turma Recursal contrariando tese qualificada do STJ. A paridade garante acesso ao Tribunal de legalidade, sem depender da casuística de PUIL/TNU.

  1. Conclusão

A Súmula 203/STJ foi firmada em outro tempo: sem o CPC/2015, com o JEF ainda incipiente e sem o JEFaz. Manter sua aplicação integral ao JEC (facultativo) faz sentido. Transportá-la, sem calibragem, aos juizados obrigatórios não faz. Em nome da isonomia, da coerência do sistema de precedentes e da função constitucional do STJ, defendemos a paridade recursal: o REsp deve ser admitido no JEF/JEFaz com os mesmos filtros da Justiça comum — nada mais, nada menos.

FAQ — Perguntas frequentes

1) A Súmula 203/STJ continua valendo?
Sim. A proposta é recalibrar sua aplicação: JEC (facultativo) → vedação mantida; JEF/JEFaz (obrigatórios) → paridade com a Justiça comum, admitindo o REsp com os mesmos filtros.

2) Isso não invade a CF/88, que fala em TJ/TRF?
Não. A leitura é teleológica: o art. 105, III visa a uniformizar a lei federal. Quando a lei impõe o juizado, a paridade equaliza o acesso sem “criar tribunal” e sem abrir acesso mais amplo do que na Justiça comum.

3) E as vias próprias (TNU/PUIL)?
Continuam válidas e úteis; são complementares. A paridade apenas assegura que questões federais típicas tenham o mesmo caminho ao STJ, independentemente do foro obrigatório.

4) Não haverá explosão de recursos?
Os freios do REsp já existem (prequestionamento, dissídio técnico, óbices sumulares, juízo de admissibilidade). Paridade não é “liberar geral”; é tratar de modo igual o que é igual.

5) O STF já disse que não há direito fundamental ao duplo grau. Isso não atrapalha?
A tese não se apoia em duplo grau como direito fundamental. Ela se ancora na função do STJ e na isonomia recursal entre quem pode e quem não pode escolher a via processual.

6) Em que casos práticos vale insistir na paridade?
Quando houver questão federal típica de REsp, prequestionada, e a parte estiver no JEF/JEFaz por força de competência obrigatória — especialmente em temas de massa (previdenciário, fazendário, processual) que exigem coerência nacional.

7) E se o tribunal local insistir na vedação?
Sustente a paridade e, subsidiariamente, peça a fungibilidade para TNU/PUIL. Isso preserva utilidade e mantém o debate institucional vivo.

Referências normativas essenciais

  • CF/1988, arts. 105, III (STJ) e 98, I (juizados).
  • CPC/2015, arts. 926-927 (estabilidade, integridade e coerência).
  • Lei 9.099/1995 (JEC – facultativo).
  • Lei 10.259/2001 (JEF – competência obrigatória onde instalado).
  • Lei 12.153/2009 (JEFaz – competência obrigatória onde instalado).
  • Súmula 203/STJ (consolidação em 2002).
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